|
ACTUAL Nº 1848 29 Março 2008
Marco Miranda, o phadista
O que leva um engenheiro físico a criar um projecto que cruza fado e música electrónica?
Texto de Katya Delimbeuf
Fotografia de Tiago Miranda
O primeiro disco de Marco Miranda, Phado, quer reposicionar a guitarra portuguesa no panorama da música nacional. Mas é preciso voltar atrás para entender o processo: Marco Miranda construiu a sua primeira guitarra aos 12 anos. «Na verdade, era um bocado de madeira com parafusos nas extremidades e cordas de guitarra de um lado ao outro», explica. «Depois, fiz umas ligações eléctricas com uma bateria, e a vibração era transmitida através das cordas.» O porquê desta primeira construção infantil, ao invés dos habituais carrinhos ou bonecos, prende-se com o facto de o avô de Marco, a sua referência paterna, ser marceneiro de profissão e guitarrista numa casa de fados em Algés nos tempos livres. Quando o avô se apercebeu do gosto do neto pela música, fez-lhe uma guitarra, moldando ele próprio a madeira. Marco aprendeu os primeiros acordes e começou a ajudar o avô a ensaiar, em casa, para as suas actuações. O avô tocava guitarra portuguesa, ele acompanhava à viola. Até que, aos 14, 15 anos, o avô lhe ofereceu a primeira guitarra a sério. Marco nunca teve aulas de música, à excepção das que lhe deu o avô. «Como cresci a ouvir música, desenvolvi ouvido. O que ouvia conseguia reproduzir», afirma.
Um dia, o avô desafiou-o a tocar com ele na casa de fados. Actuaram juntos durante dois, três anos, até o avô se «reformar» da vida artística e ele continuar a ser solicitado por si só. Desses tempos, lembra-se bem das críticas que ouvia aos fadistas e dos projectos que tentavam «coisas novas», abordagens diferentes do fado, com instrumentos não tradicionais, e de já na altura questionar porquê. É então que surge a descoberta da música electrónica, marca do seu projecto. Um vizinho, José Reis, que compunha música electrónica - e que Marco considera «um génio» -, disse-lhe: «Aparece...» Estávamos em 1999. «Fiquei maravilhado com as possibilidades daquele novo universo, onde tudo era possível.»
Nos dois anos seguintes, Marco explorou a música electrónica, e um dia gravou o avô a tocar e brincou com isso no computador. Gostou do resultado, foi trabalhando o processo, até chegar a este Phado, integralmente composto por ele. Nove faixas em que se reconhece a influência de Carlos Paredes, referência incontornável descoberta na adolescência, em «Melodia da Saudade» ou «Balada do Tejo», onde Marco combina habilmente o som da guitarra portuguesa com a música electrónica. Destaca como influências Amon Tobin, Aphex Twin, Sofa Surfers ou Massive Attack, entre muitas outras. «Phado Mehnor» será com certeza um dos «hits», como «Phadistikal», que facilmente chegará às pistas de dança.
Apesar de ter sido apresentado ao vivo no fim do ano passado, no Centro Cultural O Século, em Lisboa, só este mês é que se pode encontrar Phado nas lojas. A apresentação do álbum impressionou Marco. «Fez-se silêncio para ouvir a guitarra - e o computador -, e no fim ouviram-se palmas calorosas», conta. Dedicado ao avô, que ficou emocionado com o gesto, Marco ainda teve de lhe explicar quem estava a tocar viola: «Ficou intrigado quando lhe respondi que era eu que fazia tudo no computador...» De facto, faz tudo em casa, sozinho. Começa pela «base: o ritmo, os baixos». Depois, insere sons - «pads», «samples» (o disco abre com o som de uma trovoada e termina com o de gaivotas, numa sonoridade marítimo-fadista). No fim, faz «a sequência, com os sons todos». E, por último, grava-se a si mesmo «a tocar guitarra portuguesa». Assim nasceu Phado, por mão própria, em edição de autor, depois de várias recusas de editoras. Hoje com 28 anos, Marco Miranda responde pelo nome artístico de M-Pex - que tem uma sonoridade mais tecnológica - e assume preferir convites para projectos do que propriamente um contrato com uma editora. De resto, critica as grandes editoras por não apostarem em projectos nacionais, «a não ser quando já estão validados pela crítica estrangeira».
E como é que a Física aparece aqui? Marco explica. «A música, para mim, foi sempre um ‘hobby’.» Nunca se viu a viver dela. «O fascínio pelos fenómenos da natureza e da astronomia» levaram-no naturalmente para a Engenharia Física e o Instituto Superior Técnico (IST). No futuro, vê-se a fazer investigação e música em simultâneo. Mas o curso não o impediu de conciliar duas áreas aparentemente com poucas semelhanças. Na Rádio Zero, do IST, Marco conduz há quatro anos o programa «Puntz», dedicado à música electrónica e ao drum’n’bass. E a tese de mestrado, que está a terminar, também tem a música por base: vai estudar «as alterações electroencefalográficas (cerebrais) das pessoas submetidas a estímulos auditivos».
O objectivo de M-Pex com este álbum é «reposicionar a guitarra portuguesa no panorama musical, mostrar que não tem de estar só agarrada ao fado». Noutras palavras, «criar uma ponte entre ontem e hoje, quebrar barreiras e clichés». Envolvido noutros projectos - como os DoubleMp, de música chillout -, o finalista dos Jovens Criadores 2007 sonha com o dia em que tenha um Coliseu ou uma Aula Magna cheios a ouvir o seu Phado. Ficámos sem saber se o Ph do álbum é ácido, alcalino ou neutro, mas uma coisa é certa: a experiência é fortemente propensa a causar reacções. Senão químicas, de pele.
|
|
Marco Miranda, 28 anos, assina M-Pex e diz-se influenciado por Carlos Paredes, Amon Tobin e Massive Attack |
|